terça-feira, 27 de maio de 2008

"O Herói de Mil Faces" Joseph Campbell

“ A situação de quem não tem uma vocação interior nem uma doutrina exterior é realmente desesperadora: ou seja, a situação da maioria das pessoas hoje, nesse labirinto de dentro e de fora do coração. Onde está a guia, aquela virgem querida Ariadne, para desvendar a pista que nos dará a coragem de enfrentar o Minotauro e os meios de nos libertar depois da morte do monstro?

... esse labirinto é bem conhecido; só temos que seguir o fio do caminho do herói. E onde esperávamos a abominação, acharemos um deus; onde pensávamos que teríamos que matar o outro, nos mataremos; onde pensávamos em viajar para fora, chegaremos ao centro da nossa própria existência; onde pensávamos que estaríamos sós, estaremos com o mundo inteiro".

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A CASA DE ASTERION

(Jorge Luís Borges)

Sei que me acusam de soberba, e talvez de misantropia, e talvez de loucura. Tais acusações (que castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de casa, mas também é verdade que as suas portas (cujo número é infinito*) estão abertas dia e noite aos homens e também aos animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas femininas nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Por isso mesmo, encontrará uma casa como não há outra na face da terra. (Mentem os que declaram existir uma parecida no Egito.) Até meus detratores admitem que não há um só móvel na casa. Outra afirmação ridícula é que eu, Asterion, seja um prisioneiro. Repetirei que não há uma porta fechada, acrescentarei que não existe uma fechadura? Mesmo porque, num entardecer, pisei na rua; se voltei antes da noite, foi pelo temor que me infundiram os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a mão aberta. O sol já se tinha posto mas o desvalido pranto de um menino e as preces rudes do povo disseram que me haviam reconhecido. O povo orava, fugia, se prosternava; alguns se encarapitavam na estilóbata do templo das Tochas, outros juntavam pedras. Algum deles, creio, se ocultou no mar. Não é em vão que uma rainha foi minha mãe; não posso confundir-me com o vulgo, ainda que o queira minha modéstia.
O fato é que sou único. Não me interessa o que um homem possa transmitir a outros homens; como filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita. As enfadonhas e triviais minúcias não encontram espaço em meu espírito, capacitado para o grande; jamais guardei a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência generosa não consentiu que eu aprendesse a ler. às vezes o deploro, porque as noites e os dias são longos.Claro que não me faltam distrações. Como o carneiro que vai investir, corro pelas galerias de pedra até cair no chão, estonteado. Oculto-me à sombra duma cisterna ou à volta de um corredor e divirto-me com que me busquem. Há terraços donde me deixo cair, até ensangüentar-me. A qualquer hora posso fazer que estou dormindo, com os olhos cerrados e a respiração contida. (às vezes durmo realmente, às vezes já é outra a cor do dia quando abro os olhos.) Mas, de todos os brinquedos, o que prefiro é o do outro Asterion. Finjo que ele vem visitar-me e que eu lhe mostro a casa. Com grandes referências, lhe digo "Agora voltamos à encruzilhada anterior" ou "Agora desembocamos em outro pátio" ou "Bem dizia eu que te agradaria este pequeno canal" ou "Agora vais ver uma cisterna que se encheu de areia" ou "Já vais ver como o porão se bifurca". Às vezes me engano e rimo-nos os dois, amavelmente. Não tenho pensado apenas nesses brinquedos; tenho também meditado sobre a casa. Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um pesebre; são catorze (são infinitos) os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo. Todavia, de tanto andar por pátios com uma cisterna e com poeirentas galerias de pedra cinzenta, alcancei a rua e vi o templo das Tochas e o mar. Não entendi isso até uma visão noturna me revelar que também são catorze (infinitos) os mares e os templos. Tudo existe muitas vezes, catorze vezes, mas duas coisas há no mundo que parecem existir uma só vez: em cima, o intrincado sol; embaixo, Asterion. Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a enorme casa, mas já não me lembro.
A cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte de todo o mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente para buscá-los. A cerimônia dura poucos minutos. Um após outro caem sem que eu ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas sei que um deles, na hora da morte, profetizou que um dia vai chegar meu redentor. Desde então a solidão não me magoa, porque sei que meu redentor vive e que por fim me levantará do pó. Se meu ouvido alcançasse todos os rumores do mundo, eu perceberia seus passos. Oxalá me leve para um lugar com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor? - me pergunto. Será um touro, ou um homem? Será talvez um touro com cara de homem? ou será como eu? O sol da manhã rebrilhou na espada de bronze, já não restava qualquer vestígio de sangue. - Acreditarás, Ariadne? - disse Teseu. - O minotauro apenas se defendeu.- Fim -(*) O original diz catorze, mas sobram motivos para inferir que, na boca de Asterion, esse adjetivo numeral valha por infinitos.

Jorge Luis Borges

terça-feira, 13 de maio de 2008

O que é o Labirinto para você hoje?


O labirinto para mim é ter que acordar todos os dias em um mesmo horário e cumprir uma agenda interminável de compromissos, de reuniões, discussões... Muitas vezes em torno de algo empírico e com resultados não quantificaveis. É ter vontade de comer menos para emagrecer e correr pelo Dique, e perceber que o tempo é exíguo e que a comida, às vezes, é refúgio. Conseguir vencer os Minotauros nem sempre é algo fácil. Pelo menos às vezes eu acho que descobrir o meu Teseu interior.
(
Bruno Guimarães)

É a busca por aquilo que encontra-se escondido e intrínseco em nós mesmos. A busca por uma identidade aprisionada. Talvez os nossos instintos que foram afastados da realidade ocupada e aprisionada pela razão. Esta, agora, precisará percorrer os caminhos criados por si mesma, buscando encontrar a lógica que a ajudou a construir esta prisão que hoje desconhece.
(Cláudio Machado)

É escolha. É tomar um caminho, cada vez mais difícil de retorno. É ter que abdicar de outro. É medo de me perder, de ser devorado pela própria escolha antes de achar a saída. E que saída será essa que não também a morte? Porém não trágica, mas gloriosa.
(Daniel Farias)

O meu labirinto sou eu mesmo. A saída dele, portanto, é decifrar-me. Ou devora-me.
(Gordo Neto)

Se o labirinto for ameaça, se é assim que o vemos, então o labirinto de hoje se assemelha àquele do mito: da mesma forma que o herói, temos que matar um leão por dia pra salvar a própria pele. Os descaminhos que nos perdem, que fazem a gente se perder, são aqueles que, em nome da sobrevivência, afastam a gente cada vez mais dos sonhos, dos planos para o futuro: é o acúmulo de trabalho que nos rouba horas de lazer; o acúmulo de descrença que nos rouba a fé na luta; o acúmulo de tédio que embota nossos sentidos mais refinados. Mas se encararmos o labirinto como a chance de encontrar a saída, o fio de Ariadne, eu diria que meus labirintos são os que me fazem tatear, tatear, até achar um jeito todo original de lidar com meus problemas: a saída, pra mim, é sempre a criatividade, a arte e o engenho de ser capaz de ser feliz. Como diria o velho Brecht: “Eu sustento que o prazer é uma forma de capacidade”...
(Jacyan Castilho)

O labirinto hoje representa o meu estado de espírito diante do turbilhão de acontecimentos da minha vida. A explosão de horizontes que vislumbro e as decisões que eu devo tomar para realizar meus sonhos mais altos. O labirinto para mim hoje é saber exatamente o que preciso fazer para alcançar as minhas metas e não ter disciplina e coragem para fazê-lo, mesmo compreendendo que a vitória é logicamente certa.
(Leandro Villa)

O labirinto para mim é um círculo, onde se anda e não se chega a lugar algum. Onde todas as questões entre mim e a sociedade se confundem e se diferenciam ao mesmo tempo, cercados de vícios, conceitos, pré-conceitos, repressões, encontros, desencontros, que dificultam a passagem pela vida. Um circo onde se brinca de esconder e achar o fio do olhar humano e animal de cada ser. Um lugar onde o ideal é revolucionar-se internamente ... até aprender a viver.
(Márcia Lima)

Quando perco o equilíbrio, a medida, o rumo, eu caio no labirinto. O Labirinto é enorme. É lá onde me encontro quando as coisas não estão conformes... E as coisas não são conformes! A paixão e o ciúme, o poder e a ganância, a beleza e a fome. Junto comigo, o mundo também se perde. Sem equilíbrio, sem medida, sem rumo. Emaranhados, já não nos lembramos de como chegamos ali. O labirinto é o que comecei na infância e sustentarei até a velhice. É o medo em que mergulho pra encontrar minha segurança. Sou eu me desorganizando para me organizar. Mergulhando em mim, pra sair de mim. É que ostento e escondo. É o palco, a rua, o mar, o amor, a memória. É a prazerosa dissonância. É o caos e o orgasmo. Nós, ao mesmo tempo, somos e estamos no labirinto.
(Raiça Bomfim)

e pra você?